Startups B2C e as armadilhas da mídia de performance
Os riscos de se construir uma estratégia de aquisição focada 100% em Google e Facebook - e os caminhos para criar uma perspectiva sustentável de crescimento
Fonte: DALL-E
Por Renato Mendes
Imagine uma startup chamada XYZ. Você não a conhece mas provavelmente já ouviu uma história parecida com a dela. Empresa brasileira, B2C, com founders brilhantes que acabaram de concluir sua primeira captação institucional com fundos tier 1 do mercado. Pois bem:
. Do montante levantado pela XYZ em sua captação, cerca de 30-40% será destinado a mídia paga de performance (leia-se Google e Meta) com foco em aquisição de novos clientes;
. A liderança está confiante com esta estratégia dado que seu LTV/CAC num período retroativo de 12 meses é superior a três e a aposta é que esse ratio melhore ainda mais daqui pra frente com (i) a redução do CAC (Custo de Aquisição) via ganhos de escala na dinâmica de aquisição e (ii) o aumento do LTV (Life Time Value) projetado com recorrência e cross-sell;
. Passados alguns meses, no entanto, as coisas não saem como o previsto. O CAC não só não baixa, como cresce. A previsão de aumento do LTV tampouco se confirma. O time não entende o que está acontecendo e parece não encontrar alternativas para reverter o quadro;
. Para chegar forte na rodada seguinte de captação, os founders optam por entregar o número de aquisição de novos clientes mesmo com piora no LTV/CAC. A decisão tem impacto negativo nos financials da empresa. Na prática, maior necessidade de caixa, aumento do prejuízo, encurtamento do runway e, portanto, necessidade de se mais dinheiro;
. A liderança da XYZ simplesmente não consegue explicar aos seus investidores porque suas previsões não se concretizaram, o que fez com que alguns deles percam o interesse na empresa. Eventualmente, ela conclui sua rodada mas, pior, não consegue equacionar a questão da aquisição via mídia de performance e entra num ciclo vicioso que é o cemitério de muitas startups: o de levantar dinheiro, pagar cada vez mais caro por novos usuários, dar prejuízo e precisar levantar dinheiro de novo para fazer essa roda girar.
Fonte: 4equity
Ok, a XYZ não existe (é claro!). Mas a gente poderia colocar diversos nomes de startups aqui e a história mudaria bem pouco. Infelizmente. O fato é que a falta de entendimento da dinâmica de aquisição via mídia paga é, provavelmente, um dos principais motivos pelo qual VCs tier 1 tem passado cada vez mais deals de empresas B2C no país. Eles não estão dispostos a fazer transferência de renda para Big Techs. O que founders precisam entender é que construir uma estratégia de aquisição 100% baseada em mídia paga de performance é insustentável no longo prazo.
Importante: isso não quer dizer que a chamada mídia fundo de funil seja a vilã dessa história. Pelo contrário, ela funciona e é necessária para as empresas consumer facing crescerem. É seu mau uso, ou acreditar que ela é a solução para todos os momentos estratégicos, que é o problema.
A falta de entendimento da dinâmica de aquisição via mídia paga é, provavelmente, um dos principais motivos pelo qual VCs tier 1 tem passado cada vez mais deals de empresas B2C
Para entender o que estamos falando, vamos determinar três assumptions que irão nortear todo nosso raciocínio:
1. No curto prazo, a aquisição via mídia paga de performance pode ser rápida, "barata" e, portanto, eficiente;
2. No longo prazo, ela não é escalável e tem um "teto", portanto, insustentável.
3. No meio disso (de preferência, desde o início), vai ser necessário compor essa estratégia de aquisição com outros geradores de leads não-pagos que possam equilibrar essa dinâmica.
Curto x Longo prazo
Antes de entrar no detalhe, um dado para você entender o contexto desse mercado: pela primeira vez desde 2014, a soma das participações de Google e Meta no bolo da mídia dos Estados Unidos será inferior a 50%, segundo relatório da Insider Intelligence. Na prática, vivemos um duopólio há quase duas décadas.
Qual o impacto disso na vida das startups? Primeiro, uma inflação do custo de mídia que com frequência fica próximo ou superior a 100% ao ano. Segundo, que o jogo de aquisição de clientes digitais virou sinônimo da capacidade de operar tecnicamente as ferramentas dessas empresas acima de qualquer outra habilidade.
A grande maioria das startups começam alocando a imensa maioria dos recursos de mídia de performance - e, de novo, ok porque essa estratégia é eficiente no início. Isso se dá porque seus primeiros usuários são aqueles para o qual sua proposta tem mais valor. Essa primeira safra de pessoas dispostas a experimentarem seu produto / serviço é a mais fácil de se encontrar e capturar no digital. Daí a conversão é melhor e isso baixa seu CAC.
Acontece que esse grupo inicial tem um tamanho limitado e em algum momento essa estratégia se esgota. Então, você precisa ampliar seu público-alvo para tentar manter a performance. Essa ampliação de alcance com resultados semelhantes vai ser sustentável por algum tempo, mas não para sempre. Você varia criativos, alterna formatos, amplia regiões mas, em algum momento, os anúncios param de funcionar.
Os novos grupos são menos responsivos à sua mensagem. Estudos da Uncover, solução de mensuração de mídia, indicam que a maior parte das startups B2C do Brasil começam a apresentar sinais de esgotamento a partir de um investimento de R$ 6 milhões / ano. É claro que isso varia muito de empresa para empresa, setor para setor, mas o fato é que, uma hora, o teto chega.
Além da perspectiva do target, outro aspecto que irá atrapalhar sua estratégia de aquisição é a concorrência. Eles não irão somente copiar seu modelo de negócio e produto, mas também seus anúncios, mensagens, formatos e Landing Pages. E tudo isso irá encarecer seu CAC porque os anúncios irão perder performance e as palavras chave mais comuns terão bids mais caros.
Outro aspecto relevante aqui é que o percentual de clientes orgânicos do início é proporcionalmente mais relevante diante do todo e isso joga o CAC médio para baixo. Pouco a pouco, no entanto, ele vai perdendo relevância à medida que o volume de leads pagos avança. Logo, seu CAC médio vai se parecer mais com o da originação paga do que o da orgânico, ou seja, pior.
É por isso que analisar dados desse primeiro ciclo e projetar (inclusive com melhorias) para os meses subsequentes é o primeiro erro que a startup pode cometer porque esses números não irão se sustentar no médio prazo. Eles são apenas uma estimativa. Acredite, a primeira safra de clientes de uma startup é sempre a mais fácil e barata, mas não será assim para sempre.
O papel da unpaid media
Para que esperar chegar ao que chamamos de paciente na UTI, totalmente dependente da mídia paga para começar a agir? O mais inteligente é tentar, desde o início, balancear uma originação que combine mídia paga com formatos não-pagos.
Estamos falando de iniciativas como ações de branding, SEO, criação de comunidades, CRM e parcerias comerciais. Não menospreze a capacidade deste tipo de ação, eles podem fazer a diferença na saúde financeira do seu negócio.
Importante saber que quanto mais tarde você tentar sair da armadilha da mídia paga, mais difícil será. Ou seja, o dia para começar é hoje. Não que a originação por mídia não-paga seja mais fácil. Um dos desafios aqui é que elas não tem velocidade imediata de resposta que uma campanha no Instagram tem, por exemplo.
É preciso construir e ter paciência. Nada acontece em SEO em menos de 6 meses. Ao mesmo tempo, se a mídia paga de performance é rápida em gerar leads quando se aumenta o investimento, ela também é veloz para parar de funcionar quando se diminui o investimento. É o famoso põe e tira o pé do acelerador de um carro.
Para que esperar chegar ao que chamamos de paciente na UTI, totalmente dependente da mídia paga para começar a agir? O mais inteligente é tentar, desde o início, balancear uma originação que combine mídia paga com formatos não-pagos
É por isso que a melhor saída é sempre a combinação de canais para melhor performance. De novo, a mídia paga não é a vilã dessa história. O problema é seu uso indiscriminado. No próximo artigo, vamos explorar outro aspecto do esgotamento da estratégia de mídia de performance: a necessidade de ampliação do mix de mídia com o investimento em mídias de meio e topo de funil.
Perfeito o racional! A “ditadura” do last click precisa ser questionada. Aquisição de clientes é parte de uma jornada, onde awareness, contato com a marca, informação sobre o produto, destacar atributos, etc não pode ser esquecido. Além disso não se discute com clareza a lógica da atribuição na jornada de mídia.
Muito bom!👏👏